sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Propositando de forma diferente

Abaixo, um texto que acabei de escrever. Tentei ser simples e utilzei um pouquinho de minha vivência para fazê-lo - meu sobrinho arteiro veio em casa hoje, filho de meu irmaozão. Quanto ao desenho, tenho um irmãozinho mais novo, sereno e sensato, metódico às vezes e brincalhão outras tantas, seu nome é Alex, mas também atende por Cói, que é um rabiscador talentoso. Em relação à sua arte, não deixe de conferí-la aqui.

Três incisivos




São três horas da tarde e, de repente, uma pessoa acorda num ônibus. Através de vidros, vê uma criança a acenar, sorrindo. Batuta, no banco de trás de um automóvel, mostrando seus dentões por uma fendinha na cara que ia de uma orelha à outra. Ali, havia um janelão.
Até esse momento, nada havia acontecido, mas tudo ocorria conforme. O relógio despertara, tivera café, tomara banho, vestira-se, saíra, embarcara no ônibus e ali se encontrava de olhos abertos. Funcionava em modo automático todo santo dia, com algumas variações em fins de semana, nada fora do programado.
Porenzinho, o ser banguela e serelepe rasgava um embrulho monocromático, sacudindo sua mãozinha de um lado a outro. A luz do sol que brilhava no céu de sua boca explodia janelinha à fora e as cores passavam a absorver e refletir.
São três horas da tarde e, de repente, uma pessoa acorda num ônibus, mais uma boca percebera que ali também havia sol, que, como na cidade poluída, só precisa de uma fenda entre as nuvens para poder ofuscar o branco e preto dos batutas por aí.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

DA VIDA PÓS-MODERNA

O primeiro texto que publiquei, Do Conhecimento, acabou parando nas mãos de um professor e nós tivemos uma conversa pré-aula sobre o assunto abordado nele. Meu mestre discorria sobre Marx, Weber, Durkheim e Foucault – bem, eu não sou conhecedor de suas obras e julgo que conheço suas ideias de forma bem rasa, com ênfase aos três primeiros, já estudados timidamente num semestre anterior – e eu o escutava atentamente. Após alguns minutos, o grande conselho foi para que eu estudasse mais, a fim de eliminar, no bom sentido da palavra, algumas etapas na busca por respostas aos meus questionamentos, visto que muitas dúvidas que eu possa vir a ter já foram respondidas por esses e outros pensadores.
Além da dica, ganhei um texto, O Moderno e o Pré-moderno, escrito por Antônio Cícero. Essa dissertação de pouco mais de uma pauta lida com a estabilidade e a diversidade, respectivamente referentes ao indivíduo pré-moderno e moderno, abrangendo a complexidade contemporânea e a problemática em torno da felicidade.
DA VIDA PÓS-MODERNA
Ultimamente, penso sobre o que escrever, vários temas vêm à mente, mas vêm e vão conforme eu inspiro e expiro o ar cosmopolita paulistano, efêmeros. Contudo, na dinâmica e, muitas vezes, entediante vida universitária, em meio a uma leitura para conclusão de um trabalho acadêmico, eu me deparei com uma frase de objeto já conhecido e sentido “as pessoas em todo o mundo se ressentem da perda do controle sobre suas próprias vidas, seu meio, seus empregos, suas economias, seus países e, em última análise, sobre o destino do planeta.” (CASTELLS, 1999. pp. 93-94). Pois bem, resolvi discorrer sobre isso, viver na contemporaneidade.
Eu poderia seguir o conselho de meu professor e buscar a resposta ao meu anseio em outras cabeças. Estou certo de que encontraria respostas em Hall, Giddens e Castells. Esses autores lidam com a pós-modernidade e a problemática de identidades, oriunda da famigerada globalização. Porém, passarei à borda de referências teóricas e meus pensamentos se concentrarão no fato de que sou um jovem que vive na conjuntura expressa naquela citação que expus.
Quando, em Do Conhecimento, discuti sobre o avanço técnico da sociedade, na verdade, discorria sobre a o afunilamento do conhecimento com vista à gênese do indivíduo especialista. Normalmente, este elege sua profissão buscando abrigo numa instituição que lhe remunere de acordo com suas expectativas, as quais são fortemente influenciadas por um padrão crescente de consumo. Logo, a existência nos tempos atuais é ponderada por um materialismo em ascensão e, nessa lógica, um teto institucional é, muitas vezes, um curto ínterim na vida do sujeito. Pois, uma vez que se busca um soldo compatível com ideais materialistas, novas propostas são largamente aceitáveis. Construir uma carreira profissional já não é a meta de muitos, senão encontrar oportunidades cada vez mais condizentes com a possibilidade de se poder ostentar mais.
Aqui faço uso de digressão, pois comecei a escrever o presente texto no dia 27/12/2010 e já me dei conta de algo peculiar, o calendário marca 02/02/2011. O tempo passou e minhas ideias, se assim posso chamar pensamentos que, díspares, por vezes, conflitantes, por vezes, paralelos, por vezes, e complementares, por vezes, se perdem num mar de sinapses e interpretações e dúvidas triviais. Muito embora eu permaneça fiel como um cão à tendência original do raciocínio que desdobrei acima.
Minha intenção não é fazer desse texto um espaço para chorar pitangas e expor dúvidas existenciais, mas não vejo uma maneira de tratar do tema sem que algo muito íntimo seja exposto. O cotidiano, como acima o mencionei, bate à minha porta todos os dias e indaga algo, querendo saber minha posição no mundo. Coloco um terno ou me coloco? Qual dessas roupas vestir? Claro, a princípio, dotado de heroico romantismo, eu passaria meus braços pelas mangas da integridade e assumiria um “eu” todo autêntico, pois assim que se deve ser, senhor de si mesmo. Entretanto, as outras oportunidades também são boas, excelentes, na verdade. Seguir algo próximo a um padrão social, construir família, ter recursos para garantir conforto, viver rodeado de pessoas e ser feliz, por não enxergar além do que se tem, ou estar conformado com esse limite, é algo promissor. Não acho que a escolha seja algo simples, quando eleger é uma opção. E, a partir daqui, retorno a dezembro.
Como dizia, ou melhor, como construía, a forma pela qual somos impelidos a guiar nossas escolhas em função de material, feliz, ou infelizmente – fico com esta opção – cria uma espécie de indução de nossos anseios e, por conseguinte, optar entre o “eu” e o mundo tal qual o vemos passa a não ser vislumbrado. Dessa forma, as coisas ficam mais simples e as contestações são reduzidas, também as são as possibilidades de desenvolvimento íntimo e intrínseco de nós mesmos. Pois, se as ganas são voltadas para o materialismo e a conjuntura econômica atual nos permite atingir e realizar desejos, bastando apenas a ideia de que com recurso disponível – na maioria das vezes através do trabalho – um sonho torna-se palpável, então um modo de vida alternativo, em qualquer nível, torna-se virtualmente desnecessário. Já dizia a minha avó “Deus ajuda quem cedo madruga.”.
Sem a intenção de prolongar mais esse pensamento, e temendo perder-me em argumentos vagos, compreendidos fracamente até mesmo em sua origem, concluo, ainda que insatisfeito, mas ciente de que me falta algo: ainda que tenha abordado o aspecto da vida pós-moderna sob uma temática bem tímida, creio que a grande sacada desse tempo não esteja em escolher, mas em perceber que há escolhas. E, assim, acredito, teríamos uma margem mais ampla à felicidade e às realizações pessoais, evitando problemas como uma frustração incompreendida em nível de consciência.

Angelo Lira

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Do conhecimento

O presente texto é uma reflexão resultante da leitura de uma entrevista da revista Caros Amigos ao economista da Unicamp, Márcio Pochmann.
“A educação transforma as pessoas para o mercado de trabalho. Não é uma educação para a vida. [...] O princípio da educação é o do especialista. [...] O problema é que abandonamos o princípio da universidade [...] O resultado é que temos o especialista que sabe cada vez mais de menos coisas. A sociedade do conhecimento, da informação, nos coloca dados, análises de forma absurda que não temos condição de acompanhar, sistematizar. Resultado, nós estamos nos transformando cada vez mais numa população de ignorantes, analfabetos. [...] não consigo acompanhar a profusão de livros, teses, artigos... isso só na minha área de conhecimento. E as outras áreas?” (Caros Amigos. Agosto de 2009)
A minha geração passou por um processo forçado de reflexão acerca do futuro. Eu mal me recordo de quantos anos tinha e já me indagavam “O que você quer ser quando crescer?” Tampouco me lembro de quantas vezes isso já me fora perguntado. Sempre variaram minhas respostas, ainda bem. Eu já quis ser piloto de avião, cavaleiro do zodíaco, médico, power ranger, técnico em informática – tive a fase de hardware, de software e de web-designer – quis ser jogador de futebol, circense, ator de filme, de novela e de teatro, músico, já pensei em ser pedreiro, quis ser desenhista de mangá, de caricaturas e de realidades, quis ser fotógrafo, colunista de jornal, poeta, quis escrever romances, ser ambientalista radical, quis ser político, eremita, e, atualmente, quero ser professor, quero ser intelectual, mas sem deixar de lado tudo o que um dia eu já quis ser.
Muito bem, cometi o mesmo erro de sempre. Sempre me induziram a pensar em profissão. O que você quer ser? Uma pergunta muito ampla para ser restrita a “Qual você deseja que seja sua profissão?”. Logo, eu poderia responder “Eu quero ser feliz!”. Isso bastaria? Acredito que faria o emissor sorrir, mas que depois viria outra indagação, uma sondagem sobre meus anseios profissionais como “O que você quer estudar na faculdade?”. Ser criança, e até mesmo adolescente, é difícil, pois dependendo da resposta há uma crítica. Se medicina, ou direito, ou engenharia (qualquer uma), então “Muito bem!”; se não, se filosofia, artes, música, letras, alguma ciência social, então “Não se ganha muito dinheiro com isso. Nunca pensou em outra coisa?”
O ponto que aqui desejo abordar não é infância (isso eu pretendo fazer em outro momento), mas o conhecimento e a profissão. Somos treinados a pensar nela, atribuindo-lhe demasiada importância e muitas vezes um significado equivocado, penso. Nosso léxico semântico criou sinônimos erroneamente, já muito difundidos, e dessa aproximação equivocada de significados surge a asserção “Boa remuneração. Logo, boa profissão.” Se for assim, então somos míopes em relação à nossa vida. Pois, vivemos numa realidade muito esquisita. Conhecer não é o suficiente. Devemos conhecer de forma específica. O conhecimento universal minguou. A especificidade de cada campo de estudo é o que dita o avanço da humanidade. Nosso norte é desenvolver e para desenvolver temos que precisar, gerando uma sociedade desenvolvida tecnicamente. Isso ocorre numa relação na qual o todo é composto de partes, cada uma com uma função distinta e, muitas vezes, independente de seus pares, as outras partes.
Contudo, o saber restrito de cada seara da percepção tende a frear o avanço do conhecimento individual no que tange o todo. Se por um lado a especificidade amplia a capacidade do corpo social em desenvolver-se, por outro o indivíduo fica limitado a enxergar estritamente o que concerne a um determinado campo do conhecimento. Não que isso seja ruim, porém não é satisfatório, muito menos justo. Essa alienação de intelecto, que nos restringe a focar a parte e nos condiciona a ignorar as partes e estas em funcionamento do todo, não é típica da natureza humana. Questionar amplamente é nossa característica in natura. Quando crianças, queremos saber o “por que?” de tudo, entender o funcionamento das coisas e pasmamos quando descobrimos as relações que imperam na dinâmica do mundo à nossa volta. Porém, isso nos é quitado e em troca recebemos a conformidade e a amputação de nosso espírito curioso.
E como se não fosse o suficiente, a lição de vida que permeou minha geração é “Você vale o que você tem no bolso” e a penetrabilidade dessa asserção na conduta humana é incrível. Indivíduos pautam sua existência em buscar maior qualificação na escala do consumo e ostentação do mesmo, em detrimento de uma definição mais sincera de objetivo de vida. Nessa lógica, o conhecimento afunilado é apenas um meio e aquele comportamento que nos é intrínseco passa a emudecer-se e cede lugar às exigências criadas por lacunas do mercado. Por fim, a custos de um desenvolvimento humanizado, a coletividade se especializa e o desenvolvimento técnico suplanta a sociabilidade individual.

Angelo Lira