quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Do conhecimento

O presente texto é uma reflexão resultante da leitura de uma entrevista da revista Caros Amigos ao economista da Unicamp, Márcio Pochmann.
“A educação transforma as pessoas para o mercado de trabalho. Não é uma educação para a vida. [...] O princípio da educação é o do especialista. [...] O problema é que abandonamos o princípio da universidade [...] O resultado é que temos o especialista que sabe cada vez mais de menos coisas. A sociedade do conhecimento, da informação, nos coloca dados, análises de forma absurda que não temos condição de acompanhar, sistematizar. Resultado, nós estamos nos transformando cada vez mais numa população de ignorantes, analfabetos. [...] não consigo acompanhar a profusão de livros, teses, artigos... isso só na minha área de conhecimento. E as outras áreas?” (Caros Amigos. Agosto de 2009)
A minha geração passou por um processo forçado de reflexão acerca do futuro. Eu mal me recordo de quantos anos tinha e já me indagavam “O que você quer ser quando crescer?” Tampouco me lembro de quantas vezes isso já me fora perguntado. Sempre variaram minhas respostas, ainda bem. Eu já quis ser piloto de avião, cavaleiro do zodíaco, médico, power ranger, técnico em informática – tive a fase de hardware, de software e de web-designer – quis ser jogador de futebol, circense, ator de filme, de novela e de teatro, músico, já pensei em ser pedreiro, quis ser desenhista de mangá, de caricaturas e de realidades, quis ser fotógrafo, colunista de jornal, poeta, quis escrever romances, ser ambientalista radical, quis ser político, eremita, e, atualmente, quero ser professor, quero ser intelectual, mas sem deixar de lado tudo o que um dia eu já quis ser.
Muito bem, cometi o mesmo erro de sempre. Sempre me induziram a pensar em profissão. O que você quer ser? Uma pergunta muito ampla para ser restrita a “Qual você deseja que seja sua profissão?”. Logo, eu poderia responder “Eu quero ser feliz!”. Isso bastaria? Acredito que faria o emissor sorrir, mas que depois viria outra indagação, uma sondagem sobre meus anseios profissionais como “O que você quer estudar na faculdade?”. Ser criança, e até mesmo adolescente, é difícil, pois dependendo da resposta há uma crítica. Se medicina, ou direito, ou engenharia (qualquer uma), então “Muito bem!”; se não, se filosofia, artes, música, letras, alguma ciência social, então “Não se ganha muito dinheiro com isso. Nunca pensou em outra coisa?”
O ponto que aqui desejo abordar não é infância (isso eu pretendo fazer em outro momento), mas o conhecimento e a profissão. Somos treinados a pensar nela, atribuindo-lhe demasiada importância e muitas vezes um significado equivocado, penso. Nosso léxico semântico criou sinônimos erroneamente, já muito difundidos, e dessa aproximação equivocada de significados surge a asserção “Boa remuneração. Logo, boa profissão.” Se for assim, então somos míopes em relação à nossa vida. Pois, vivemos numa realidade muito esquisita. Conhecer não é o suficiente. Devemos conhecer de forma específica. O conhecimento universal minguou. A especificidade de cada campo de estudo é o que dita o avanço da humanidade. Nosso norte é desenvolver e para desenvolver temos que precisar, gerando uma sociedade desenvolvida tecnicamente. Isso ocorre numa relação na qual o todo é composto de partes, cada uma com uma função distinta e, muitas vezes, independente de seus pares, as outras partes.
Contudo, o saber restrito de cada seara da percepção tende a frear o avanço do conhecimento individual no que tange o todo. Se por um lado a especificidade amplia a capacidade do corpo social em desenvolver-se, por outro o indivíduo fica limitado a enxergar estritamente o que concerne a um determinado campo do conhecimento. Não que isso seja ruim, porém não é satisfatório, muito menos justo. Essa alienação de intelecto, que nos restringe a focar a parte e nos condiciona a ignorar as partes e estas em funcionamento do todo, não é típica da natureza humana. Questionar amplamente é nossa característica in natura. Quando crianças, queremos saber o “por que?” de tudo, entender o funcionamento das coisas e pasmamos quando descobrimos as relações que imperam na dinâmica do mundo à nossa volta. Porém, isso nos é quitado e em troca recebemos a conformidade e a amputação de nosso espírito curioso.
E como se não fosse o suficiente, a lição de vida que permeou minha geração é “Você vale o que você tem no bolso” e a penetrabilidade dessa asserção na conduta humana é incrível. Indivíduos pautam sua existência em buscar maior qualificação na escala do consumo e ostentação do mesmo, em detrimento de uma definição mais sincera de objetivo de vida. Nessa lógica, o conhecimento afunilado é apenas um meio e aquele comportamento que nos é intrínseco passa a emudecer-se e cede lugar às exigências criadas por lacunas do mercado. Por fim, a custos de um desenvolvimento humanizado, a coletividade se especializa e o desenvolvimento técnico suplanta a sociabilidade individual.

Angelo Lira